A vida que eu não posto


O “bom dia” e os sorrisos cordiais trocados no caminho do supermercado semanalmente com os porteiros de prédios vizinhos e com as senhoras em busca de conversa. A sensação de cansaço quando meu despertador do celular toca às 5:00 da manhã. A minha paciência com a moça do caixa que quase conta sua vida enquanto passa minha compra. A simplicidade deliciosa de sentar na calçada para saborear um picolé. A mentira contada por alguém mal resolvido que percebo e finjo não notar. A careta da criança que passa e que eu retribuo antes de dar um largo sorriso. As noites em claro enquanto o pensamento não sossega. As borboletas e pássaros que são mais velozes que minha habilidade em os fotografar. As decisões banais e as certezas cotidianas com as quais gasto meu tempo. A grata surpresa de uma mensagem desinteressada e sincera de alguém especial. A opinião que não dou para não chocar e a que ouço sem ter pedido. A dança que me diverte enquanto escolho o que vestir e as “caras e bocas” diante do espelho. O autocontrole quando tudo desaba e o desânimo em constatar que a mim caberá reestruturar tudo outra vez. As ideias criativas que surgem no banho ou durante a caminhada. As críticas que recebo e os julgamentos alheios que desconsidero. Minhas perambulações pelo comércio popular e meus verdadeiros achados nestas garimpadas. O medo e a angústia diante do resultado inesperado de um exame médico. Os elogios recebidos pelas pequenas conquistas e os trocados com amigos de verdade. O malabarismo que faço para administrar as finanças e manter o equilíbrio enquanto supõem que meus recursos são abundantes. As conversas e dicas com os funcionários do prédio onde moro. As dificuldades em aprender algo novo e o encanto do êxito após várias tentativas. A ansiedade por constatar tudo aquilo que não posso controlar e nem prever, apenas viver. A conversa leve na feira comendo pastel de queijo. As ligações inoportunas recebidas e a insistência das atendentes que trabalham sob pressão constante para atingir metas dentro de prazos estúpidos. O bem-querer de uma lista enorme de pessoas com as quais tive a felicidade de estar. A tristeza por saber que sou impotente diante da dor que meu filho carrega e posso apenas amenizá-la com a dura verdade e com minha doçura. A amizade gostosa e os assuntos divertidos com a moça do Café onde os minutos parecem passar despercebidos, mas que habitam a memória. Os comentários que não faço e que meus olhos tentam esconder para não aborrecer. As buscas frequentes por passagens aéreas em promoção e as consultas diárias da cotação do Euro. A preguiça quando converso com alguém desinteressante e pessimista. A gargalhada solitária com a lembrança de momentos hilários vividos e os segredos divididos e jamais revelados. O conteúdo sem sentido de reuniões desnecessárias apenas para cumprir formalizações e também para que os integrantes acreditem ser importantes ou relevantes. O sorriso que dou quando encontro aquela geleia italiana que amo ou o chocolate belga que adoro na promoção. A dor muscular após quilómetros de caminhada e mais exercício físico para manter a saúde sob controle. O prazer que sinto quando leio sobre alguém que conheço ter tido sucesso naquilo que tanto queria. Minha indignação com os acomodados e com a falta de respeito. A paixão por doces, massas, queijos, vinhos, frutas, verduras, etc. (eu posto de vez em quando). Os pensamentos que me atormentam e as observações que não verbalizo para não magoar alguém. As gargalhadas com meu filho jogando no XBOX com minhas dicas mirabolantes para ele extrapolar. As orações que faço para que pessoas encontrem a luz e sejam felizes. A confiança traída e a lealdade esfolada que jamais serão restabelecidas. A quantidade de livros que leio, os cursos internacionais à distância que faço e os fóruns online nos quais participo. Os sentimentos nutridos e velados, as oportunidades perdidas devido à prevalência do bom senso. O bem que recebo de seres humanos respeitáveis e a admiração silenciosa de seres deploráveis. As conversas interessantes e frutíferas bem como os gestos generosos que por alguma razão não são relevantes. Minha irritação diante de pessoas que acham que sabem demais e com as que se contentam com menos do que são capazes. A alegria de viver e saber aproveitar cada momento; posto indiretamente. As doações frequentes daquilo tudo que não mais tem utilidade, porém o tem para o próximo. A minha quietude e minha diversão quando subestimam minha capacidade e minhas habilidades. A minha excelente administração de recursos escassos e a obsessão por organização. A pressa inerente e constante nas tarefas diárias. O perfeccionismo que não me abandona. Os textos que escrevo, não gosto e não publico. A leveza que admiro nos gestos, a beleza de terceiros que não retrato. As incontáveis horas que passo trabalhando. Posto o registro de alegrias, celebrações e algumas constatações. Não posto dureza nem tristezas. Posto somente o que escolho e julgo agradável e verdadeiro. Não posto o que possa magoar ou desrespeitar alguém; nem mentiras. A minha vida nas redes sociais é tão somente um fragmento da vida real, nada além disto. Eu escolho aquilo que mostro! É isto.
 by Ale Madia

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