Nações nos trilhos
A extensão territorial
de uma nação quando sobreposta ao mapa de seu sistema de transportes,
especialmente aquele que se dá nos trilhos, traduz muito o planejamento e
funciona como uma provável representação gráfica de seu desenvolvimento social
e econômico, além de ilustrar a cultura nacional de mobilidade. Um simples mapa
mundial com as linhas férreas é uma imagem que pode ser lida a partir de todos
os aspectos acima citados. Logicamente, os países com maior extensão e menor
densidade populacional possuem menos trilhos, enquanto os países menores em
área geográfica com alta concentração demográfica são os que mais ferrovias
possuem. Esta é uma verdade tanto para o transporte de cargas quanto para a
circulação de pessoas. No entanto, quando o viés é cultural-comportamental é
que podemos observar a subutilização deste meio de transporte em países menos
desenvolvidos.
A tendência
para o uso massivo de meios de transporte automotivos em rodovias e em centros
urbanos pode ser facilmente percebida nos países da América do Sul. Já na África
em quase sua totalidade continental e também nos Polos quase que inabitados,
norte do Canadá e em partes da Rússia, a ausência de linhas férreas é uma
característica peculiar, justificada por aspectos climáticos locais e
demografia. Europa é a campeã disparada do uso eficiente de trilhos para locomoção
de passageiros e fluidez de insumos e produtos. Praticamente todos os países
europeus apostaram largamente no transporte ferroviário e possuem
especificidades culturais que estão intimamente ligadas a esta escolha, além de
projetos de fomento ao longo da história e desenvolvimento econômico. Países da
Ásia e Oceania também apostaram na eficiência dos trilhos em suas áreas mais populosas
e encontraram êxito na cultura local.
Enquanto nações
desenvolvidas permitem o escoamento de sua produção em trilhos inteligentemente
conectados a outros modais, o que se traduz em eficiência econômica e logística,
nações menos desenvolvidas que optaram por modais automotivos convivem com o
desperdício de recursos valiosos. O panorama pode ser assim descrito: cultura
comportamental latina do carro como principal meio de locomoção, e cultura europeia
de mobilidade com uso intensivo de trilhos somado aos sistemas de transportes aéreo,
marítimo e fluvial. O interessante é a constatação não apenas da topografia e
do clima, mas principalmente da influência cultural sobre o tema. Na América
Latina o fator econômico e a capacidade financeira são usados como
subterfúgios, em alguns países, para evitar o uso de trilhos, além da presença
da poderosa indústria automobilística como empecilho para a adoção de um
sistema viário férreo pujante. A reestruturação da mobilidade é um projeto de
longo prazo e um equilíbrio de variáveis complexas.
A disposição de
malha viária, tanto urbana quanto rural-industrial, é uma opção de
desenvolvimento coletivo em detrimento de escolhas pessoais. Planejamento
urbano-social, sustentabilidade e crescimento econômico são fatores também
decorrentes das escolhas de logística de um país. O impacto destas escolhas
somente é percebido a longo prazo, e por isso assim o deve ser pensado durante
sua concepção. Talvez seja este o motivo pelo qual as nações mais desenvolvidas
cultural e financeiramente são as que mais investiram em trilhos, enquanto as
nações com histórico e tendência de planejamento a curto prazo, são as que mais
sofrem com a precariedade ou ausência de infraestrutura eficiente e as que
menos investiram em projeto de malha ferroviária, apesar de extensa área
territorial.
Enquanto não
houver a percepção e a conscientização de que o desenvolvimento, cultural e
econômico-social, é interdependente de um planejamento de mobilidade de longo
prazo, abrangente e integrado, a probabilidade é de que o cenário continue
constantemente sendo revisto e repensado em partes, mas nunca como um todo.
by Ale Madia
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