Abril de 2033
Aos 59 anos, em
uma tarde tranquila, aquecida pela leitura e chá de amêndoa, observo a vista
gelada que tanto adoro; conforto e aconchego que só o inverno consegue
proporcionar. Na memória de infância, o calor e o mar que alegraram aqueles
anos ficaram obsoletos. Já na ávida lembrança de uma juventude livre e
sonhadora, praia e montanha, traços e abraços, planos e sonhos – um bom passado
distante e importante. A vida adulta deixou suas marcas, doces e também
amargas, ambas relevantes. Contudo hoje todo esse elenco é só lembrança. Recordações
de uma criança, que ainda vive desperta e atenta aos sinceros alertas da mente
inquieta de uma jovem senhora. Passagens intermitentes, viagens que habitam
ocasionalmente os pensamentos de uma tarde agradável como esta.
Entre uma
xícara e outra de chá, entre uma página e outra de um livro interessante, entre
um olhar e outro pela janela, respiro profundamente. Respiro com a
tranquilidade e com a sobriedade que a idade permite. Entre um respiro e um
suspiro a mente passeia pelo ano de 2020. Um ano trágico para muitos e
desafiador para todos. Em uma poltrona reflito sobre os dilemas daquele
fatídico ano. Quanto aprendizado e criações frutíferas dele vieram. Quanta reflexão
e frustração. Tudo aquilo passou. 2020 também deixou sua marca na história.
Agora em 2033 aquilo tudo parece tão distante. Na ocasião os dilemas propostos,
e talvez impostos, eram necessários: isolamento, proteção, solidariedade, medo,
incerteza, adaptação, etc. Todos agora já devidamente traduzidos e transformados
em oportunidades, mas não na velocidade desejada, e nem de maneira uniforme.
Nesta tarde de
abril de 2033 estive visitando meu acervo psicológico de 2020 – valioso. Foi
uma bela pausa para a criatividade brilhar, foi um palco para o ensaio mais
importante – o autoconhecimento. Foi um período de descobertas honestas,
apavorantes, conflitantes, produtivas, assertivas, que solidificaram a base
para o que hoje não mais perturba. As memórias de 2020 agora são apenas um
capítulo dentre tantos outros intrigantes de uma vida sobretudo alegre. Abril
de 2020 traz um suspiro repleto de gestos, cenas e dilemas que ficaram para
trás. Em abril de 2033 ainda carrego comigo a colheita daqueles tempos. Repleta
de dúvidas, algumas certezas, cercada por livros e criações, munida de
delicadeza, absorta! Respiro profundamente, sorrio silenciosamente, e cochilo
brevemente.
by Ale Madia
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