Éramos livres


Bons tempos em que podíamos ser livres! Éramos livres e não nos preocupávamos exacerbadamente com o ar que respirávamos ou com os abraços apertados que trocávamos. A necessidade, indiscutível, do distanciamento social, fez com que percebêssemos como a liberdade é mais do que fundamental, é a agregadora das relações sociais. Éramos livres e não sabíamos valorizar adequadamente aquilo que vivíamos, posto que a liberdade era inerente, onipresente. Ainda que o isolamento necessário imposto por um vírus tenha aproximado pessoas remotamente, o mesmo vírus impôs ao mundo uma ameaça real, invisível e avassaladora. Éramos livres e não costumávamos pensar sobre a morte, sobre os vulneráveis, sobre os medos adormecidos e atropelados pelo cotidiano.
Éramos livres para deixar todos os receios mundanos de lado, se assim desejássemos, porém não conhecíamos a dimensão de tamanha liberdade. Um vírus nos roubou a liberdade, ainda que por um período de tempo incerto, não eterno. Uma pandemia nos trouxe às inegáveis reflexões, nos fez repensar e rearranjar rotinas, valores, afetos. No meio da incerteza, do distúrbio real, e livres para usar a tecnologia da qual éramos inseparáveis, percebemos que deixávamos de lado tanta liberdade – abundante e importante.
Alguns ainda acreditam em “volta ao normal”. Qual “normal”? Éramos livres e decidimos ser prisioneiros de nossas escolhas equivocadas de convívio social. Agora somos prisioneiros da implacável ameaça e decidimos valorizar o que tínhamos à disposição. O “antigo normal” não mais voltará, sinto no ar! O que haverá será um “novo modelo de convívio social”, gostemos ou não! A construção deste “novo modelo” precisa ser gradual, sensata, e livre das amarras antigas que não mais farão sentido. Éramos livres! Seremos mais, ou menos livres? Acredito que seremos livres de outras maneiras, mais conscientes! Éramos livres, estamos corretamente aprisionados tentando sobreviver, seremos vetores de uma nova liberdade! Adaptação, sim; negação, não!

by Ale Madia

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