Purificador de palavras

 

Um menino muito observador acreditou que uma possível solução para muitos conflitos seria um purificador de palavras. Um artefato capaz de aprimorar palavras, especialmente em contextos delicados. Um verdadeiro conciliador para que as palavras usadas pudessem ser mais apropriadas. O objetivo de tal criação não era interferir, nem alterar o sentido das palavras, mas apenas adequar vocábulos. Contou para alguns conhecidos, usou exemplos e estava pronto para ouvir as opiniões sobre seu purificador. Estava também curioso para saber se aquelas pessoas poderiam compreender a peculiaridade de sua ideia. Ficou surpreso ao descobrir que algumas achavam seu purificador desnecessário, outras disseram que ele seria inútil. Mesmo após as considerações negativas sobre seu invento o menino ainda acreditava na utilidade da purificação, na necessidade de aprimoramento. Na descontração das conversas ele percebeu que o vocabulário pouco vasto daquelas que opinaram comprometia o entendimento, tanto de seu purificador quanto da importância das palavras. Se a maioria não era capaz de se expressar bem, então também não estava capacitada para julgar adequadamente aquilo que ouviam ou liam. Por isso as palavras não eram tão importantes para aquelas pessoas. Foi assim que o menino concluiu que seu purificador seria relevante, porém apenas para alguns. Nem todos tinham sua aptidão – a absoluta consciência de que palavras bem colocadas são decisivas!

A certeza do menino, de que seu purificador era uma criação tão somente para aqueles que cultivavam a disposição para a constante indagação, foi reconfortante. Ele também teve a satisfação de comprovar, em silêncio, algumas de suas suspeitas. A principal constatação foi a de que a inteligibilidade comprometida provoca distorção da realidade, restrição vocabular, adequação das necessidades e acomodação das habilidades. A sensibilidade do menino foi o que causou o seu astuto silêncio diante da inabilidade de seus conhecidos. A habilidade social do menino proporcionava a ele a convivência pacífica com aqueles tão diferentes e distraídos. Sabia que somente poderia purificar algo considerado passível de aperfeiçoamento, entretanto não era capaz de aperfeiçoar todos a seu redor, e essa nem era sua pretensão. A prudência do menino prevaleceu, e ele continuou a usar seu purificador, sem que nenhum de seus colegas percebessem a verdadeira razão da plena aceitação de suas colocações – assertivas. Não eram palavras requintadas que faziam do menino alguém tão equilibrado e respeitado, apenas palavras purificadas. Não eram vocábulos dóceis que faziam do menino alguém tão amigável e confiável, apenas frases devidamente contextualizadas. O sábio menino, influente não por acaso, estava em constante processo de purificação. Admirável menino em ininterrupta lapidação!

    

by Ale Madia


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