Uma certa girafa (02/04)

 

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A girafa, quando decidiu explorar horizontes diferentes do seu habitat, estava plenamente consciente de seu interesse peculiar de conhecer a cidade, sendo ela mais curiosa que o jovem morador da linda alameda e também mais interessada que o idoso habitante da precária viela. Ela estava certa de que aquela jornada seria uma verdadeira expedição para descobrir espaços urbanos, nada comum para girafas. Pelos logradouros a tranquila girafa seguia, observando e sendo também observada, porém sem ser completamente incomodada. Ela passava e vislumbrava tudo. Registrava tudo o que via e percebia pelo caminho, acumulava essas memórias espaço-sociais, e acomodava todos esses registros visuais e sonoros na inquietude de sua mente curiosa.

A girafa notava tudo, tudo aquilo que não estava nitidamente exposto, mas que era experimentado e revelado naqueles espaços pelos quais ela alegremente desfilava. As luzes, os sons, as reações das pessoas. As enormes construções, a topografia modificada, as precárias instalações, a mobilidade, a modernidade, as inovações e o caos, e também as interações dos habitantes e até mesmo dos visitantes. Aquela girafa desnudava com maestria o que as alamedas e vielas conservavam, exibiam e escondiam. Ela percebia todas as intervenções urbanas, e não eram poucas. Os rumores pelas ruas corriam, de que uma certa girafa estava por lá. Até mesmo os ventos sopravam e avisavam o que muitos avistavam. Uma visitante nada usual, uma girafa na cidade.

Uma girafa visitante que analisava, que despertava, que alegrava e que também intrigava. Aquela girafa sabia conduzir seus passos pelas calçadas, pelas avenidas, pelas praças e pelos parques, embora com dificuldade em certos espaços tão delimitados para ela. A girafa desconcertante sabia sobre a amplitude dos espaços, sobre o tempo, sobre a luz natural e sobre os ventos, por isso mesmo estava tão intrigada com tudo que via. Foi assim que a sábia girafa passou a ser uma excelente observadora das estranhas paisagens urbanas, e também daquelas pessoas com as quais encontrava. Aquela inocente visitante foi então transformada numa lenda urbana. A girafa que sabia ser, com maestria, uma girafa. E que era capaz de trilhar, com destreza, os caminhos da cidade.

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by Ale Madia

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