Ário, ário, comentário!
As antigas senhoras
atentas, sempre nas janelas, observadoras e desocupadas, se ocupavam e se
preocupavam com a vida alheia. Sempre de plantão para proferir uma opinião
sobre tudo que vislumbravam de suas janelas. Eram janelas com vistas para a
vida que acontecia além de suas cortinas. Era um passatempo típico de um antigo
tempo, era uma maneira de se informar sobre o desnecessário desenrolar do
cotidiano de seus vizinhos e afins. Muito daquilo que presenciavam também
imaginavam, nem tudo era realidade, mas produto de suas mentes que criavam
possíveis versões para as mais diversas ocasiões. E comentavam sobre tudo, tudo
o que se passava e também sobre tudo o mais que fantasiavam, uma explosiva
combinação sobre a vida real e imaginária das pessoas. A vida comentada pelas
senhoras. Nem sempre aqueles comentários correspondiam aos fatos, muitas vezes
eram apenas boatos deselegantes e intrigantes.
As antigas
janelas foram consideravelmente ampliadas e ganharam o mundo. As janelas
infinitas das modernas telas, conectadas e amplificadas, ora pelos desocupados
e profissionais de plantão, ora pelas versões oportunistas dos fatos, ou pelos
diversos comentaristas... Uma opinião
pode ser apenas uma opinião ou não. Um comentário pode ser relevante ou
simplesmente desnecessário. Não há necessidade de tudo comentar, mas esqueceram
de avisar. Hoje as janelas registram em tempo real os comentários, e também os
comentários sobre os comentários prévios. A emissão de opinião se transforma em
um padrão, cansativo. Comentaristas de plantão em todas as redes, repetitivos,
aflitos, e nada comedidos. Descabidos, agredidos, enaltecidos, ... tudo menos
despercebidos.
Em outros
tempos as cortinas das janelas protegiam aquelas distintas senhoras, frágeis e
quase veladas, porém bastante atarefadas. Eram senhoras que não utilizavam
moderação para comentar tudo o que parecia lhes incomodar, ou para exaltar o
que porventura pudessem ostentar. Elas podiam vulgarizar ou idolatrar baseadas
em suas precárias contemplações e limitadas percepções. Eram tantos
comentários, ários, ários. Também tantos ouvintes para aqueles nada requintados
e muito adornados comentários. Tamanha disposição para viver aprisionadas em
suas janelas e imaginação para satisfazer os curiosos de plantão.
Curiosamente,
os conceitos e aspectos atuais utilizados para os comentários nas redes são
semelhantes aos personificados pelas antigas senhoras. A relevância, a
arrogância, a discrepância, a ignorância, a concordância, a impulsividade, a
necessidade de expressão, a capacidade de discernimento, a fantasia, a
contextualização, a idealização, a falta de opinião, tudo junto e misturado
travestido de conteúdo. O conteúdo unitário de cada personalidade e sua
capacidade expresso nas mais inusitadas oportunidades.
Um simples comentário
pode ser transformar em notícia, ainda que inútil ou contraproducente. Alguns
são especialistas em comentários, outros tantos desnecessários. São inúmeros os
emissores de opinião descomprometidos. Passar o tempo e multiplicar a
repetição, das observações e explicações, análises e sugestões, críticas e
narrações, anotações, temáticas, indagações, notas, comunicados e memórias,
estórias, expressões e opiniões alheias. Ário, ário, comentário. Tudo isso e
muito mais prontamente comentado! Devidamente!? Oportunamente!? Inutilmente!? Tantos
ávidos plantonistas em rede proclamando suas suposições, certezas, contradições
e inexatidões. Tamanho interesse pelas suas criações e demanda para suas
conexões. Sem comentários!
by Ale Madia
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